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Reflexões em tempos de pandemia

A pandemia e as novas comunidades de prática informais – uma reflexão sobre o caso das escolas

Maria da Graça Viegas é a autora do texto de reflexão “A pandemia e as novas comunidades de prática informais – uma reflexão sobre o caso das escolas”.

Este texto reflecte sobre a adaptação das comunidades de prática informal no contexto da pandemia, nomeadamente no caso das escolas. No texto, a autora questiona "Serão os contextos educativos facilitadores de comunidades de prática informais e espontâneas? Como acontece a gestão do conhecimento nelas produzido?".

 

 

 

 

A pandemia e as novas comunidades de prática informais – uma reflexão sobre o caso das escolas

 

Autor: Maria da Graça Viegas

CICS.NOVA.UÉvora

Contacto: mgpviegas@gmail.compalulaviegas@yahoo.fr

 

 

Communities of practice are groups of people who share a concern or a passion for something they do and learn how to do it better as they interact regularly” (Wenger, 2006, 1[1])

 

A situação emergente da pandemia que enfrentamos aguça a nossa reflexividade e curiosidade sociológica, particularizando-se quando o nosso objeto social somos nós mesmos e o nosso contexto real de ação, em que vivenciamos uma alteração da praxis quotidiana, fruto de uma alocação externa. Enquanto docente, ter presenciado e participado naquilo que denomino de “comunidades de práticas informais”, com as suas limitações e constrangimentos, mas também com práticas colaborativas e cooperativas emergentes, resultou na presente reflexão, que pretende constituir-se como um modesto contributo na análise dos inúmeros impactos da pandemia, apontando algumas interrogações do real em que importa refletir.

A pandemia, ao provocar um conjunto de alterações na praxis, constitui uma situação de prova, pelo que dirigimos à nossa própria realidade um conjunto de interrogações, face aos imperativos externos que regulam as novas práticas, às zonas de incerteza onde nenhuma regulação existe ainda, cabendo aos atores envolvidos, na sua autonomia, evidenciarem ações estratégicas que poderão não ser as melhores, mas as mais satisfatórias face à realidade, ao contexto e aos recursos disponíveis, face à situação de incerteza.

Para fazer cumprir aquilo que a pandemia obrigou como orientações legais, uma regulação externa à prática docente, que se viu esvaziada de dinâmicas rotinizadas, os docentes e alunos desenvolveram aquilo que melhor dominam, a interação. Entre ambos e entre os seus pares, foram paulatinamente reunindo-se em busca de apoio e colaboração. Várias foram as estratégias formadas e dinamizadas, entre as quais a crescente consolidação de grupos virtuais de partilha, a que podemos dar o nome de comunidades de prática, numa perspetiva socioconstrutivista.

Consideramos nesta reflexão comunidades de prática informais e/ou espontâneas as constituídas por alunos/professores, alunos/alunos, professores/professores. Estas categorias, assim designadas, são fruto da observação in loco e da experiência empírica da prática docente, construída através da observação direta, fazendo desde já a manifesta ressalva em prol do distanciamento reflexivo a que a subjetividade de ser sujeito e objeto de estudo o obriga.

É sobre as lógicas de formação e gestão destas comunidades de prática, a regulação da sua formação, seus valores que lhe deram origem e norteiam a sua atuação e que enformam a sua atuação assim como a sua sustentabilidade face a um redirecionamento legal da regulação que lhes deu origem, que a presente reflexão procura incidir. Aqui procura-se dirigir ao real um quadro de interrogações, em torno da criação e manutenção dessas comunidades de prática, assim como da sua sustentabilidade e questionar se foi criado um acervo de conhecimento por essas comunidades e como o exploram e partilham.

 Temos então que dirigir à realidade as questões que se colocam à manutenção das comunidades de práticas informais. Desde logo, a liderança das comunidades, que na sua informalidade e espontaneidade, necessita de ser estimulada face às razões que lhes deram origem, mas agora em torno de que objetivos? Entramos assim no campo daquilo que os autores designam de fase de expansão das comunidades de prática, em que clarificam os objetivos, determinam recursos e meios de procedimento, assim como atividades face aos diferentes papéis existentes no grupo ou como se operacionalizam procedimentos. Mais, é aqui que se reconhecem os interesses partilhados pelos seus membros e pela entidade ou organização que as enforma e legitima.

No processo da construção e implementação das comunidades de prática, quando estas comunidades se reportam ao contexto interno da escola, a sua maturidade é traduzida no reconhecimento por parte dos seus membros e entre as comunidades já constituídas, intensificando as interações e continuando na linha de ação que lhe deu origem. No âmbito externo, incrementa-se a adesão às comunidades que se foram criando, os não membros reconhecem a sua existência, inventariam as de seu interesse, partilham e trocam experiências fruto das suas pertenças junto dos não membros.

Esta ideia de construção e, quem sabe, manutenção das comunidades informais e/ou espontâneas tem igualmente inerente outro aspeto, a voluntariedade dos seus participantes, quer na sua adesão, quer na sua permanência, o que claramente está associado à autonomia. Se as comunidades de prática são dadas as suas características, espaços em que as trocas de experiências e informações são facilitadas, constituem em si instrumentos de capital cultural para os participantes, que mobilizados poderão constituir uma mais valia para o contexto onde operam. Aqui coloca-se outra questão ou dúvida a que podemos sujeitar o contexto, serão os contextos educativos facilitadores de comunidades de prática informais e espontâneas? Como acontece a gestão do conhecimento nelas produzido?

Importa, pois, analisar, junto das comunidades espontâneas e /ou informais que nasceram como perspetivam a sua continuidade. Para tal, há que conhecer, junto dos seus membros, se ainda partilham da sua finalidade e objetivos, que inicialmente lhes deram origem. Mais, apreender os mecanismos de manutenção e gestão das mesmas, face às especificidades das suas diferentes realidades.

 

[1] Etienne Wenger-Trayner e Beverly Wenger-Trayner (2015). Introduction to communities of practice: A brief overview of the concept and its uses. Disponível em: https://wenger-trayner.com/introduction-to-communities-of-practice/

 

 

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

Imagem: StartupStockPhotos por Pixabay